Quase 90% das vítimas de violência sexual no Pará são meninas de 0 a 17 anos, aponta levantamento
Mestre em segurança pública, Diego Martins fala sobre violência sexual contra meninas No Pará, a infância de meninas está ameaçada: quase 90% das vítima...
Mestre em segurança pública, Diego Martins fala sobre violência sexual contra meninas No Pará, a infância de meninas está ameaçada: quase 90% das vítimas de violência sexual contra crianças e adolescentes no Pará são meninas. Entre 2019 e 2023, o estado registrou 19.631 ocorrências de crimes sexuais contra pessoas de 0 a 17 anos, segundo levantamento produzido pelo Coletivo Futuro Brilhante a partir de dados oficiais da Segurança Pública. A pesquisa, divulgada nesta terça-feira (2), em Belém, revela ainda que Vitória do Xingu lidera, proporcionalmente, a taxa de violência sexual no estado, seguida por Salvaterra e Soure, no arquipélago do Marajó. A divulgação da pesquisa integrou a programação do Seminário Estadual de Revisão do Plano Decenal Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, promovido pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. O evento ocorreu nesta terça-feira (2), na Escola Judicial do Tribunal de Justiça do Pará, em Belém, reunindo representantes de órgãos públicos, sociedade civil, academia e coletivos. O Coletivo Futuro Brilhante, responsável pela coordenação local, atua desde 2014 na prevenção da violência sexual infantojuvenil e desenvolve ações educativas em escolas públicas do estado. O estudo — que analisou todos os registros feitos nas delegacias dos 144 municípios paraenses — mostra que 17.518 vítimas são meninas e que a violência atinge tanto crianças pequenas quanto adolescentes: foram 8.437 casos entre 0 e 11 anos e 11.194 entre 12 e 17 anos. A residência da vítima é o principal cenário dos crimes, superando locais públicos e instituições. A maior parte das ocorrências acontece nos turnos da manhã e da tarde, sugerindo que a rotina cotidiana favorece a vulnerabilidade em períodos de menor supervisão. O perfil dos agressores também é consistente: mais de 17 mil registros apontam homens como suspeitos, contra pouco mais de 300 casos envolvendo autoras mulheres. A maioria é composta por pessoas conhecidas da vítima, como tios, padrastos, vizinhos, parentes próximos ou parceiros afetivos da mãe. O caso de uma menina de 9 anos, moradora de Soure, violentada pelo tio durante férias em família, ilustra a predominância da violência intrafamiliar — e da confiança rompida — nas ocorrências do estado. Vitória do Xingu, Soure e Salvaterra: por que esses municípios lideram? Para especialistas, os dados revelam padrões territoriais que vão além dos números. Pesquisas acadêmicas sobre Vitória do Xingu — publicadas nos Anais da Universidade da Amazônia (UNAMA) — descrevem um município submetido a “transformações abruptas, deslocamentos populacionais e tensões socioeconômicas” decorrentes da instalação da Usina Hidrelétrica Belo Monte e da presença de grandes empreendimentos extrativistas. Estudos do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) mostraram que, em cenários como esse, onde há aumento da desigualdade e fragilidade de serviços públicos, crimes de gênero e sexual tendem a crescer. No Marajó, o acúmulo de vulnerabilidades aparece também nas pesquisas da Universidade Federal do Pará (UFPA): pobreza extrema, longas distâncias, precariedade do Estado, desigualdade de gênero e turismo sem regulação contribuem para que Salvaterra e Soure se tornem ambientes de alto risco. Em Salvaterra, estudos identificam vulnerabilidade ao turismo sexual. Em Soure, diagnósticos do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apontam naturalização da violência doméstica, subnotificação e pouca presença de estruturas de proteção. Para o mestre em Segurança Pública Diogo Martins, que participa do seminário estadual realizado em Belém, os dados evidenciam um padrão claro. “Quando observamos Vitória do Xingu, Salvaterra e Soure, enxergamos territórios onde a vulnerabilidade social é profunda e histórica”, afirma. “A soma de pobreza, desigualdade, ausência do Estado, turismo desregulado e relações de gênero desiguais cria um ambiente em que a violência sexual encontra menos barreiras para acontecer.” Martins destaca que o contexto amplia a capacidade de repetição dos crimes. “Esses elementos não produzem o estupro por si só, mas reduzem drasticamente os mecanismos de prevenção, denúncia e proteção. E onde há menos fiscalização, menos presença de serviços e mais dependência econômica, o agressor encontra terreno fértil para agir.” VÍDEOS com as principais notícias do Pará