cover
Tocando Agora:

Por que Trump começou a dar tanta atenção à América do Sul (e o que conseguiu com isso)

Perguntas e respostas sobre o encontro entre Lula e Trump O presidente americano Donald Trump vem demonstrando de várias formas sua atenção especial à Amér...

Por que Trump começou a dar tanta atenção à América do Sul (e o que conseguiu com isso)
Por que Trump começou a dar tanta atenção à América do Sul (e o que conseguiu com isso) (Foto: Reprodução)

Perguntas e respostas sobre o encontro entre Lula e Trump O presidente americano Donald Trump vem demonstrando de várias formas sua atenção especial à América do Sul, durante seu segundo mandato na Casa Branca. No início de julho, Trump abalou as relações políticas e comerciais entre os Estados Unidos e o Brasil. Ele anunciou a imposição de tarifas de importação de 50% sobre os produtos brasileiros, para tentar evitar o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro, seu aliado, por tentativa de golpe de Estado. 📱Baixe o app do g1 para ver notícias em tempo real e de graça Outro exemplo foi o insólito deslocamento militar ordenado por Trump no sul do Caribe e uma série de bombardeios perto do litoral da Venezuela e da Colômbia. Os navios atacados estariam carregando drogas, segundo o presidente, sem apresentar provas. E Donald Trump também deixou claro seu interesse pela Argentina, ao conceder um raro auxílio de US$ 20 bilhões (cerca de R$ 107,5 bilhões) ao governo do presidente Javier Milei, antes das eleições legislativas de domingo (26/10). "Estamos nos concentrando muito na América do Sul e conseguindo forte controle no continente em muitos sentidos", declarou Trump na segunda-feira (27/10), ao parabenizar publicamente seu aliado Milei pelo triunfo nas eleições. Donald Trump vem dedicando especial atenção a diversos países latino-americanos no seu segundo mandato na Casa Branca. Getty Images via BBC Analistas indicam que todas estas medidas contrastam com o relativo desinteresse mantido pela região por vários governos anteriores dos Estados Unidos, durante o século 21 — incluindo boa parte do primeiro mandato do próprio Donald Trump (2017-2021). Seja devido à "guerra ao terrorismo" do ex-presidente George W. Bush (2001-2009), à "guinada em direção à Ásia" do seu sucessor, Barack Obama (2009-2017), ou às guerras na Ucrânia e na Faixa de Gaza que mantiveram ocupado Joe Biden (2021-2025), a América do Sul ficou de fora das prioridades de Washington por um longo período. Mas tudo parece ter mudado nos nove meses já decorridos desde a volta de Trump à Casa Branca. "A América do Sul voltou a ser uma região importante para os Estados Unidos, depois de muitos anos", destaca à BBC News Mundo (o serviço em espanhol da BBC) Monica de Bolle, a principal pesquisadora do Instituto Peterson de Economia Internacional, com sede na capital americana, Washington. Mas quais serão os motivos para essa mudança? 'Muito difícil' Trump deixou entrever que procura alinhar os países sul-americanos ao seu governo, com base em uma política de castigos ou ajuda. Quando recebeu o ultraliberal Javier Milei na Casa Branca, em outubro (antes das eleições legislativas na Argentina), Trump defendeu que a ajuda oferecida àquele país "não fará grande diferença" para os Estados Unidos, "mas, sim, para a América do Sul". "Se a Argentina se sair bem, outros irão segui-la", declarou ele. "Existem muitos outros países que estão seguindo nossos passos." Trump forneceu respaldo financeiro fundamental para Javier Milei. Getty Images via BBC Trump mencionou como exemplo a Bolívia, que elegeu em outubro o centrista Rodrigo Paz para a presidência. Paz pretende reabrir as relações do seu país com os Estados Unidos. Elas estão suspensas desde 2008, durante os governos do partido Movimento ao Socialismo, dos presidentes Evo Morales (2006-2019) e Luis Arce (desde 2020). Especialistas defendem que Washington pretende ampliar seu acesso a diversos recursos disponíveis na América do Sul, como minerais críticos e terras raras. E os Estados Unidos também desejam estabelecer na região cadeias de abastecimento fundamentais para sua própria segurança econômica. Mas eles também observam que, com suas demonstrações de força e influência na América do Sul, Trump deseja afastar a China do continente. Durante a recepção a Milei na Casa Branca, o presidente americano traçou uma espécie de linha vermelha. Um jornalista perguntou a Trump se a Argentina deveria pôr fim a uma linha de intercâmbio de moeda estabelecida com a China e a uma base espacial do país asiático na Patagônia. "Eles podem fazer algum comércio, mas nada além disso", respondeu ele. "Certamente, não se deve fazer nada relacionado aos militares com a China. E, se isso estiver acontecendo, me incomodará muito." No século 21, a China ampliou seus vínculos com a América do Sul. O país passou a ser o maior parceiro comercial da região, superando os Estados Unidos e formando relações estratégicas com diversos países. "A América do Sul, de forma geral, se transformou em uma zona de influência da China nos últimos anos", afirma de Bolle. "E acredito que Trump esteja tentando reverter este quadro, para que a América do Sul volte a ser uma zona de influência dos Estados Unidos." Mas a pesquisadora alerta que "é muito difícil reverter esta situação". Sob a liderança do presidente Xi Jinping, a China ampliou suas relações comerciais com a América do Sul Getty Images via BBC Um sinal dessa complexidade surgiu após o auxílio financeiro de Trump a Milei. O setor agrícola dos Estados Unidos queixou-se por entender que esta medida levaria a Argentina a exportar para a China a soja que o país asiático deixou de comprar dos norte-americanos, devido à guerra comercial mútua. Margaret Myers é diretora do Programa de Ásia e América Latina do think tank (centro de pesquisa e debates) Diálogo Interamericano, com sede em Washington. Ela afirma que "o modus operandi [dos Estados Unidos na região] é claramente transacional e geograficamente limitado, além de carecer de uma política ou estratégia hemisférica integrada". Para Myers, as tensões com a China influenciam o olhar dos Estados Unidos para o sul do hemisfério, "sobretudo do ponto de vista da competição por recursos e das preocupações com a segurança marítima". "Este enfoque trouxe alguns benefícios de curto prazo, pois aumentou as preocupações na região sobre os acordos com a China", declarou ela à BBC News Mundo. Mas Myers destaca que Pequim "mantém seu compromisso com a região, onde a importância das relações comerciais com a China pesa muito entre as pessoas que tomam as decisões". O fator ideológico O governo Donald Trump também deu sinais de observar a América do Sul do ponto de vista ideológico. Trump declarou, por exemplo, que Milei chamou sua atenção antes de ser eleito presidente, por "se mostrar muito conservador". "É um seguidor incondicional de MAGA", a sigla em inglês do movimento político do presidente americano Make America Great Again ("Fazer a América Grande Novamente"). Ao dizer isso, Trump substituiu "América" por "Argentina". Trump ordenou um deslocamento extraordinário de militares americanos para o sul do Caribe Getty Images via BBC Por outro lado, os Estados Unidos defendem que o envio de navios de guerra, aviões de combate, bombardeiros, fuzileiros navais e do seu maior porta-aviões para o Caribe obedece a uma ofensiva contra o narcotráfico. Pelo menos 57 pessoas morreram desde o início de setembro, em ataques dos Estados Unidos a embarcações acusadas de transportar drogas nas águas do mar do Caribe e do Pacífico. Especialistas questionam a legalidade desses ataques. Muitos acreditam que um dos objetivos de Trump com o deslocamento militar é intimidar e derrubar o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, de esquerda. Trump o acusa de liderar um cartel de drogas, enquanto Maduro nega a acusação. O secretário de Estado americano e conselheiro de segurança nacional de Trump, Marco Rubio, é considerado o arquiteto da estratégia contra a Venezuela. As ações contemplam operações secretas da CIA, a agência americana de inteligência, no país. Filho de imigrantes cubanos nascido em Miami, no Estado americano da Flórida, Rubio reivindica o endurecimento da política americana em relação à Venezuela, Cuba e Nicarágua, desde que era senador. Ele também alerta sobre a presença da China na América Latina. Relatos indicam que o continente poderá passar a ocupar posição de destaque nas estratégias de defesa e segurança nacional que o governo Trump pretende divulgar em breve. Marco Rubio é um importante arquiteto da política norte-americana em relação à América do Sul Getty Images via BBC Outra medida tomada recentemente pelos Estados Unidos foi a imposição de sanções ao presidente colombiano, Gustavo Petro, também de esquerda. Petro qualificou os ataques militares a navios civis como assassinatos, enquanto Trump acusa o presidente da Colômbia de incentivar a produção de drogas. O incidente aumentou as tensões entre Washington e Bogotá. A Colômbia é um dos maiores aliados históricos dos Estados Unidos na América Latina e analistas advertem que esta situação poderá dificultar a antiga cooperação entre os dois países para o combate ao narcotráfico. Em setembro, Rubio foi questionado sobre a possibilidade de que forças americanas "executem unilateralmente traficantes" de países aliados, como o Equador ou o México. O secretário de Estado pareceu descartar esta questão. "Em muitos casos, não é necessário fazer isso com governos amigos, pois eles irão nos ajudar", declarou Rubio, em visita ao Equador. "Eles próprios podem fazê-lo e nós os ajudaremos." Já em relação ao Brasil, Trump segue mantendo as tarifas de importação impostas aos produtos brasileiros. Mas sua reunião na Malásia com o presidente Lula no domingo (26/10) parece ter relaxado as tensões entre os dois mandatários. Trump e Lula mantiveram um encontro bilateral na Malásia, no domingo (26/10). O Brasil aguarda a redução das tarifas de importação sobre seus produtos. Getty Images via BBC Analistas observam, em todas estas ações de Donald Trump na América do Sul, uma tentativa de reinterpretar a doutrina Monroe. Apresentada em 1823 pelo então presidente americano James Monroe (1758-1831), para combater o colonialismo europeu no continente, a doutrina é simbolizada pela frase "a América para os americanos". O especialista nas relações entre os Estados Unidos e a América Latina Alan McPherson é diretor do Centro para o Estudo da Força e da Diplomacia da Universidade de Temple, na Filadélfia (EUA). Ele observa uma "tendência geral do presidente Trump a expandir a presença dos Estados Unidos e agir com intimidação". Mas ele não vê a Doutrina Monroe por trás das motivações de Trump na América do Sul. "O que conecta todas essas motivações é que a América Latina, diferentemente da China ou da Rússia, não possui a mesma capacidade de contra-atacar frente ao poder dos Estados Unidos. Por isso, a região é um objetivo mais fácil", conclui McPherson.