Libertação de araras-azuis-de-lear renova esperança na conservação da Caatinga
Cerca de 23 aves vivem no Boqueirão da Onça, seis delas formando pares Crédito: Divulgação Quando o dia amanhece na Caatinga, o céu parece pintado à mão...
Cerca de 23 aves vivem no Boqueirão da Onça, seis delas formando pares Crédito: Divulgação Quando o dia amanhece na Caatinga, o céu parece pintado à mão. Os tons rosados e alaranja-dos anunciam a chegada do sol e revelam, aos poucos, a paisagem agreste do povoado de Cercadinho, no Boqueirão da Onça, norte da Bahia. Entre casas simples de pau a pique e serras que recortam o horizonte, vive uma das espécies mais raras do planeta: a arara-azul-de-lear, ave que existe apenas no Brasil e cujo habitat natural esteve escondido da ciência por mais de um século. A espécie, retratada pela primeira vez no século XIX pelo pintor inglês Edward Lear — que inspirou o nome popular da ave —, quase desapareceu nos anos 1990, vítima, principalmente, do tráfico de animais silvestres. O cenário começou a mudar com o trabalho incansável de equipes de conservação, como a liderada pela bióloga Érica Pacífico, que atua na região com ações de monitoramento, reprodução e reintrodução das araras. Atualmente, cerca de 23 aves vivem no Boqueirão da Onça, seis delas formando pares que já tentam se reproduzir na natureza. Desde 2019, o programa realiza solturas regulares, mas uma nova etapa trouxe um desafio extra: além de aves nascidas sob cuidados humanos, o grupo recebeu araras selvagens resgatadas após sofrerem maus-tratos em redes internacionais de tráfico de animais silvestres. Muitas chegaram debilitadas, traumatizadas e sem contato recente com seu ambiente natural. O processo de retorno à liberdade é cuidadoso. A técnica utilizada, chamada de soltura bran-da, consiste em abrir o recinto diariamente pela manhã e fechá-lo ao entardecer, permitindo que as aves deixem o viveiro em seu próprio ritmo. Nos primeiros dias, a hesitação é comum. Cachos de licuri — fruto fundamental na dieta da espécie — são colocados próximos à saída para incentivar os indivíduos a se aproximarem da janela que dá para o exterior. Aos poucos, as araras vencem o medo. Algumas se penduram na grade, observam o ambiente externo e recuam. Outras, mais ousadas, dão os primeiros voos sobre o viveiro para reconhecer o território. Em poucos dias, todas ganham a liberdade, acompanhando o comportamento de outras aves da espécie já estabelecidas na região, que chegam a interagir e apoiar a adaptação das que acabaram de ser soltas. Arara-azul-de-lear quase desapareceu do norte da Bahia por causa do tráfico de animais silvestres Crédito: Divulgação Próxima etapa Após a libertação, começa outra fase decisiva: o monitoramento. Munidos de binóculos e re-ceptores de GPS, os pesquisadores seguem diariamente os deslocamentos das aves, identificadas por pequenas medalhas numeradas presas ao peito. A observação permite compreender rotas, hábitos alimentares e áreas preferidas para descanso e nidificação. A etapa se intensifica nas primeiras semanas e, depois, passa a ocorrer em intervalos maiores, conforme os grupos se estabelecem. A pesquisa genética é um aliado importante nessa reconstrução populacional. A bióloga Bea-triz Raicoski, que desenvolve doutorado sobre o tema, explica que a análise do DNA ajuda a entender a diversidade genética da espécie — fator crucial para sua capacidade de se adaptar, enfrentar doenças e prosperar ao longo das próximas gerações. A iniciativa reúne diversas instituições, entre elas a Fundação Lymington, de Juquitiba (SP), com apoio da BluestOne, empresa que atua em programas de conservação pelo Brasil e tem colaborado na manutenção, reabilitação e reprodução - quando houver nascimento de filhotes na fundação, eles serão encaminhados ao projeto para serem soltos na natureza. O sucesso já aparece nos detalhes mais simbólicos: filhotes nascidos em liberdade começam a surgir novamente na Caatinga. “Imagine que aqui na região do Cercadinho só existiam duas fêmeas. Então, a espécie ia aca-bar. E agora já tem filhotes nascidos aqui, filhotes selvagens, e esse é o ponto principal para medir o sucesso do projeto”, afirma o Diretor de ESG & Sustentabilidade da BluestOne, Alexandre Resende. Mascote Mas conservar uma espécie não é apenas ciência — é também convivência. Em Campo Formoso, a comunidade da Gameleira do Dida celebra a presença das araras até no futebol. O time local, o “Barceloninha do Sertão”, adotou a ave como mascote, uma homenagem que carrega o orgulho de ver a região novamente colorida pelos voos azuis que marcaram a infância de muitos moradores. A parceria com o projeto de conservação vai além do esporte. Em uma noite especial, um ci-nema ao ar livre reuniu famílias inteiras para assistir a uma série documental sobre as araras-azuis-de-lear. Foi um momento de reconhecimento, memória e educação ambiental — especialmente importante para jovens que, ao contrário das gerações mais velhas, cresceram sem ver a ave na natureza. A transmissão desse conhecimento local faz parte da estratégia do projeto. Os idosos descre-vem com precisão onde as araras se alimentam, onde dormem e como se comportam. Recu-perar esse saber e compartilhá-lo com as novas gerações transforma a comunidade em guar-diã da espécie. “Quem realmente vai salvar a espécie no final do projeto é a comunidade que mora aqui, que vai permanecer aqui. Por isso que é importante pegar essas comunidades mais isoladas, há cinco, seis horas de carro, porque a arara não tem limite, ela vai voando. Então, essas comuni-dades do entorno dessa área onde é o projeto de soltura têm que ser bem trabalhadas quanto à educação ambiental. Isso o projeto já vem fazendo. E a BluestOne vem para ajudar a ampliar a abrangência”, complementa Alexandre Resende. No Boqueirão da Onça, cada voo livre e cada filhote nascido são gestos de resistência. A arara-azul-de-lear retomou seu espaço na paisagem e no imaginário da população. E, em meio a amanheceres coloridos, a Caatinga volta a testemunhar uma história de renascimento. Projeto visa transformar a comunidade do Boqueirão da Onça em guardiã da espécie Crédito: Divulgação SERVIÇO: BluestOne Brasil Endereço: Rodovia Cornélio Pires (SP-127), km 51 – CEP: 13440-970 – Saltinho-SP E-mail: contato@bluest.one Libertação de araras-azuis-de-lear renova esperança na conservação da Caatinga - Crédito: Divulgação