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Humanos já produziam fogo há 400 mil anos, indica estudo que antecipa marco da evolução

Projeto Educação: entenda a evolução da espécie humana Cientistas britânicos afirmam que os humanos antigos aprenderam a produzir fogo há cerca de 400 mi...

Humanos já produziam fogo há 400 mil anos, indica estudo que antecipa marco da evolução
Humanos já produziam fogo há 400 mil anos, indica estudo que antecipa marco da evolução (Foto: Reprodução)

Projeto Educação: entenda a evolução da espécie humana Cientistas britânicos afirmam que os humanos antigos aprenderam a produzir fogo há cerca de 400 mil anos — um salto de centenas de milhares de anos em relação às estimativas mais aceitas até agora. A conclusão vem de um estudo publicado nesta quinta-feira (12) na revista científica Nature e se baseia em evidências encontradas em um sítio arqueológico no leste da Inglaterra. Até então, o uso controlado do fogo era atribuído a populações neandertais que viveram no norte da França há cerca de 50 mil anos. As novas descobertas empurram esse marco para muito mais atrás no tempo e reforçam a ideia de que habilidades técnicas e cognitivas complexas surgiram bem antes do que se imaginava. Sítio arqueológico com sedimentos de lagoa de 400.000 anos em Barnham, Suffolk, Inglaterra. Jordan Mansfield/Pathways to Ancient Britain Project via AP Vestígios de uma lareira pré-histórica As evidências foram identificadas em Barnham, um sítio paleolítico no condado de Suffolk que é escavado há décadas. Pesquisadores liderados pelo Museu Britânico encontraram um conjunto de indícios que, analisados em conjunto, apontam para o uso intencional do fogo. Entre eles estão um fragmento de argila cozida, machados de mão de sílex fraturados por calor intenso e dois pedaços de pirita de ferro — um mineral que produz faíscas quando friccionado contra o sílex. Esse último detalhe foi decisivo: a pirita não ocorre naturalmente na região, o que indica que foi coletada e levada até ali de forma deliberada. “Essa combinação mostra não só que havia fogo, mas como ele era produzido”, afirma Rob Davis, arqueólogo paleolítico do Museu Britânico e um dos autores do estudo. Calor intenso e repetido Para descartar a hipótese de incêndios naturais, como queimadas causadas por raios, os cientistas analisaram os sedimentos ao longo de quatro anos. Testes geoquímicos indicaram temperaturas superiores a 700 °C, além de sinais de que o fogo foi aceso repetidas vezes no mesmo ponto. Esse padrão, segundo os pesquisadores, é compatível com uma lareira construída, e não com eventos naturais esporádicos. A preservação excepcional do sítio ajudou na reconstrução do cenário. Os depósitos queimados ficaram selados em antigos sedimentos de lagoas, o que protegeu as evidências da erosão ao longo de centenas de milhares de anos — algo raro no registro arqueológico. Descoberta do primeiro fragmento de pirita de ferro em 2017, em Barnham, Suffolk, Inglaterra. Jordan Mansfield/Projeto Caminhos para a Grã-Bretanha Antiga via AP Impacto na evolução humana O domínio do fogo é considerado um dos grandes saltos da evolução humana. Ele permitiu enfrentar climas mais frios, afastar predadores e, sobretudo, cozinhar alimentos. O cozimento reduz toxinas presentes em raízes e tubérculos, elimina patógenos da carne e melhora a digestão, liberando mais energia — um fator-chave para sustentar cérebros maiores. Segundo Chris Stringer, especialista em evolução humana do Museu de História Natural de Londres, fósseis encontrados na Grã-Bretanha e na Espanha sugerem que os habitantes de Barnham eram neandertais primitivos, já com sinais de crescente sofisticação cognitiva e tecnológica. Além dos efeitos biológicos, o fogo também transformou a vida social. Reunir-se em torno da lareira à noite criava tempo para planejamento, interação e troca de histórias — comportamentos associados ao desenvolvimento da linguagem e de sociedades mais organizadas. Uma peça de um quebra-cabeça maior Os arqueólogos destacam que Barnham se insere em um padrão mais amplo observado na Europa entre 500 mil e 400 mil anos atrás, período em que o tamanho do cérebro dos primeiros humanos começou a se aproximar dos níveis modernos e em que surgem evidências mais claras de comportamentos complexos. Para Nick Ashton, curador das coleções paleolíticas do Museu Britânico, a descoberta é histórica. “É a mais emocionante dos meus 40 anos de carreira”, afirmou. Para a ciência, o achado ajuda a responder a uma pergunta antiga: quando os humanos deixaram de depender do fogo da natureza e passaram a criá-lo sob controle próprio. A resposta, ao que tudo indica, veio muito antes do que se pensava.