Brasil do 'pleno emprego' vê economia desacelerar: por que isso é considerado positivo por alguns economistas
PIB fica praticamente estável no 3º trimestre A economia brasileira deu novos sinais de desaceleração, com aumento de 0,1% do PIB (Produto Interno Bruto) no...
PIB fica praticamente estável no 3º trimestre A economia brasileira deu novos sinais de desaceleração, com aumento de 0,1% do PIB (Produto Interno Bruto) no terceiro trimestre deste ano, frente ao segundo trimestre, segundo novos dados divulgados pelo IBGE nesta quinta-feira (4/12). Em relação ao mesmo trimestre de 2024, o PIB avançou 1,8%, com crescimento puxado pela agropecuária (alta de 10,1%), indústria (1,7%) e serviços (1,3%). No acumulado de 2025, o PIB cresceu 2,4% em relação ao mesmo período de 2024. O dado do último trimestre — crescimento de 0,1% — indica que a maior parte do crescimento da economia brasileira neste ano aconteceu no primeiro semestre. No momento atual, a economia está em ritmo mais lento. Essa desaceleração do Brasil fica mais acentuada se comparada com outros países em desenvolvimento. A China cresceu a um ritmo anualizado de 4,8% neste ano; a Índia está crescendo a 8,2%. O crescimento do PIB — que significa que um país está produzindo mais bens e serviços — geralmente está associado a uma economia mais saudável e produtiva, com elevação do bem-estar geral da população. Quando o PIB cresce, normalmente há mais empregos e melhores salários para todos. Mas esse não é exatamente o cenário vivido no Brasil atualmente. Apesar de haver mais empregos e melhores salários, muitos economistas estão preocupados que o crescimento econômico acelerado possa causar mais problemas do que benefícios ao país no longo prazo. Economistas ouvidos pela BBC News Brasil vêem a recente desaceleração como uma boa notícia, que pode ajudar a ajustar outros problemas econômicos atuais, como a expectativa de inflação alta e os juros altos. "Daqui para frente é muito melhor a gente crescer consistentemente a 2% ou 2,5% ao ano de uma forma sustentável, mas com juro baixo", afirma Mansueto Almeida, economista-chefe do banco BTG Pactual. Pleno emprego A economia brasileira vem crescendo em ritmo acelerado desde o fim da pandemia de covid. Em 2021, o crescimento foi de 4,8% — em um momento em que o país se recuperava da forte contração registrada logo no começo da pandemia. Mas nos anos seguintes, o crescimento seguiu robusto — a um ritmo de 3% ou superior desde 2022. Por que o crescimento econômico era bom naquela época, mas é considerado perigoso agora por alguns economistas? A resposta está no desemprego, explica Almeida. "Quando estávamos na pandemia, a taxa de desemprego era de 14%. Então tinha muita gente desempregada que precisava ser trazida para o mercado de trabalho. Agora não. Agora o desemprego está em 5,4%", diz. Esse índice de desemprego é o que alguns economistas chamam de "pleno emprego" — uma situação em que praticamente todo mundo que quer trabalhar consegue. Para Rafaela Vitória, economista-chefe do Banco Inter, a taxa baixa de desemprego no Brasil é uma "excelente notícia". Mas é justamente em momentos de pleno emprego que o crescimento econômico acelerado pode ser prejudicial. O aquecimento da economia faz com que as empresas precisem contratar mais empregados para suprir o aumento do consumo. Mas a oferta de mão-de-obra já atingiu o seu limite — não há mais de onde tirar trabalhadores. Com maior concorrência por trabalhadores, os salários sobem, e isso provoca um aumento geral de custos e preços. E a oferta de bens e serviços na economia não consegue acompanhar o aumento do consumo. Esse aumento generalizado de preços na economia é a inflação — que pode desfazer todos os ganhos vividos pela população no momento de crescimento, explica Vitória. "As famílias têm um bem-estar no curto prazo, mas no médio e longo prazo, a inflação tira de volta essa melhora no poder de compra que as famílias ganharam", afirma. Para tentar controlar todas essas variáveis, há dois grandes agentes econômicos que trabalham de forma independente entre si — o Banco Central e o governo federal. O Banco Central pode acelerar ou desacelerar o ritmo da economia através da taxa de juros (a política monetária) — quanto maior o índice, mais lento o crescimento. Já o governo federal pode influenciar na economia com o orçamento e gastos públicos (a política fiscal). Desde 2024, o Banco Central vem tentando desacelerar o crescimento econômico brasileiro com "doses cavalares" de juro alto, afirma Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV). "A economia não desacelerou em 2024. Ela demorou muito mais para desacelerar. O Banco Central disse no final do ano que iria subir os juros mais três vezes. Isso é altíssimo em termos de série histórica e mais alto do que qualquer outro lugar no mundo", afirma. A desaceleração atual do PIB é um sinal de que essa política de juro alto está tendo o efeito desejado pelo Banco Central, que precisa manter a inflação abaixo de 4,5%, o teto da meta. As expectativas de inflação estão finalmente caindo e existe a esperança de que em 2026 os juros também comecem a cair no Brasil. Rafaela Vitória, do Banco Inter, afirma que a economia brasileira demorou para se desacelerar porque as políticas monetária e fiscal estão indo em sentidos contrários. Enquanto o governo federal dava um impulso fiscal na economia, a política monetária do Banco Central tentava conter a aceleração com juros altos. Mansueto Almeida faz uma analogia: é como se, ao dirigir um carro, o governo estivesse apertando o acelerador, enquanto o Banco Central aperta o freio ao mesmo tempo. "Vimos um aumento de gasto generalizado. O governo aprovou a PEC da Transição, com cerca de R$ 200 bilhões de gastos adicionais no ano de 2023, principalmente com o Bolsa Família, que tem um orçamento por volta de R$ 70 bilhões", afirma Vitória. "Houve a volta da política de crescimento real do salário mínimo, que hoje não é compatível com a nossa capacidade de oferta infelizmente. Esse crescimento real do salário mínimo impacta os benefícios da previdência, principalmente pensões e aposentadoria." "Estamos vendo um gasto médio crescendo 5% acima da inflação, bem acima daquele teto teórico do Arcabouço Fiscal, que era de 2,5%. E isso tem turbinado a economia até mais do que a nossa capacidade. Por isso o efeito inflacionário preocupa", diz Vitória. Ela afirma que o impulso fiscal do governo ajudou muito no consumo das famílias e permitiu um crescimento robusto do mercado de trabalho, com queda forte no desemprego. Houve também melhora em alguns indicadores sociais e econômicos. Dados divulgados pelo IBGE esta semana mostram que a população em situação de pobreza no Brasil é a menor dos últimos 12 anos. Em um ano, entre 2023 e 2024, cerca de 8,6 milhões de brasileiros abandonaram as linhas de pobreza. O que acontece então a partir de agora? Os economistas ouvidos pela BBC News Brasil acreditam que o Brasil está chegando a um momento de "pouso suave" da economia — em que a desaceleração é gradual e permite a queda dos juros. Essa queda de juros é fundamental tanto para melhorar o ambiente de investimentos no Brasil (empresas têm capacidade de tomar empréstimos mais baratos e investir no aumento da produtividade) como no da dívida pública (o governo federal paga menos juro na sua dívida, melhorando as contas públicas). Os dados de PIB — como os que foram divulgados nesta quinta-feira — são fundamentais para determinar se esse pouso vai continuar sendo suave ou não. Se em futuras divulgações o PIB surpreender com crescimento acelerado, isso seria um sinal de que a "dose cavalar" de juro alto, citada por Matos, não está funcionando. Espera-se então que o Banco Central adie o movimento de corte de juros hoje aguardado por todos. Em 2026, os economistas esperam que haverá ainda um impulso fiscal adicional para a economia brasileira, com as novas faixas de isenção de Imposto de Renda que entrarão em vigor, e com aumentos de gastos típicos de anos de eleição. Mas para o ano seguinte, em 2027, os três economistas ouvidos pela BBC News Brasil acreditam que haverá discussões sobre novos ajustes fiscais a serem feitos pelo governo do candidato que ganhar a eleição de 2026. "Eu tenho um otimismo com cautela. Eu acho que com a economia crescendo e a atual situação no mercado de trabalho são pontos muito positivos para se comemorar. É possível a gente corrigir o rumo sem gerar uma crise econômica, como aquela que vimos em 2015 e 2016, com desemprego e recessão muito grandes", disse Rafaela Vitória, do Banco Inter. "É um copo meio cheio. Eu estou otimista com a atual situação. Mas se não corrigirmos o rumo fiscal, podemos ter uma crise em breve." Mansueto Almeida, do BTG Pactual, também vê com bons olhos o patamar atual de crescimento, mas alerta para os desafios. "Se o Brasil ficar com o crescimento do PIB de 2,5% ao ano de forma consistente, com inflação na meta e juro baixo, isso é um cenário muito bom, porque 2,5% de crescimento do PIB significa um PIB per capita que cresce a 2% ao ano. Mas o grande desafio é desacelerar o crescimento do gasto, trazer a inflação para baixo e ter um cenário de crescimento com juro baixo." Brasil está em patamares de "pleno emprego", em que praticamente todo mundo que quer trabalhar consegue vaga Getty Images via BBC